sábado, 27 de março de 2010

Cavalos de Platão




"Segundo o famoso mito que Sócrates conta a Fedro, a alma, na sua situação originária, nas margens do Iliso, pode comparar-se a um carro puxado por dois cavalos alados, um dócil e de boa raça, o outro desordeiro (os instintos sensuais e as paixões), dirigidos por um auriga (a razão), que se esforça por conduzir o carro com perfeição. Este carro, num lugar supraceleste, circula pelo mundo das idéias, que a alma contempla assim, embora não sem dificuldade. As dificuldades para guiar os dois cavalos fazem com que a alma caia: os cavalos perdem as asas, e a alma encarna num corpo. Se a alma vislumbrou, ainda que por pouco tempo, as idéias, esse corpo será humano, e não animal, e conforme as tenha contemplado mais ou menos tempo, as almas dispõem-se numa hierarquia de nove degraus, que vai do filósofo ao tirano. A origem do homem resulta, pois, da queda de uma alma, cuja procedência é divina, alma que já tivesse contemplado as idéias. Mas o homem encarnado não as recorda. Das suas asas não restam senão cotos doloridos, que se excitam quando o homem vê as coisas, porque estas fazem-no recordar as idéias, vislumbradas na existência anterior. Este é o método do conhecimento. O homem parte das coisas, não para quedar-se nelas, para encontrar nelas um ser que não tem, mas para que elas lhe provoquem uma recordação ou reminiscência (anamnesis) das idéias contempladas noutro tempo. Conhecer, portanto, não é ver o que está fora, mas o contrário: recordar o que está dentro de nós. As coisas são apenas um estímulo para que delas nos afastemos e nos elevemos até as idéias".

Julián Marías, filósofo espanhol.

Fonte: http://noiteinterminavel.blogspot.com/2005/07/plato-explica.html

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